MEMORY
The December summer glows inside my skin, my childhood come to surface, I leap [a photographic moment] above the cloud pulp and the fall would be almost/almost free if it weren’t for the liquid whistle lining the sound with its feathers. Even though a brief rain spells itself out across the morning, what I want is a sky like a rosary of stars, an endless rosary of stars and suns made of ruby burning across the memory of my face, the graceful sculpture of youth, the mask that is—almost—a face that I look for among the remains of crumbling statues. So, before my life becomes a mist, I stretch myself across the clothesline of the noon sun, my skin licks the fire and I collect from the various clocks their foggy hours with the same secret hand that steals from time what I use to fashion your memory.
[“My hands sit quietly”]
My hands sit quietly on the table and the words they’d say give way to doors that push them back into their cocoon: silence. There is no apparent reason to give up the memory of the days spent singing translucent songs through the thin space between the burning of our lips and bursts of nighttime lightning. I walk into the house and the house is absolute exhaustion, a trap of shadows. No god would go back to a day like today, eyes pregnant with domestic disputes and insomnia is this vicious beast, a starving shark in a vast ocean of rejection. I bury myself to the bones in this memory—love is the surface I desire—like in the pages left over from an old book, I feel its verses rattle my spine; I know that the flesh is not remade when the Earth breathes nor with a quick grafting of ribs, rather, it is made from the unrepentant flame that Napalm imprints on skin. My hands sit quietly and burn.
ANNOTATIONS
The poem arrives slowly as certain boats do, bearing the collective exhaustion and thirst of the pilgrims and the unfamiliar speech of unknown places. It travels across the topography of memory to distant childhood, images, symbols, signs, the oblique discipline of words, the uneven growth of roads and the loneliness they drive us towards. But it brings with it an irresistible charm, the children burn their mouths on the secret fireworks of disorderly laughter, before the guerilla war of day and night, before even the crimson faces of abandoned homes and the strong smell of the proper names of those that death visits. Above everything it carries a language full of verbs that can’t be ignored on these bright suburban nights, an instant love, measured in millimeters and bits of grammar; then the terrific beast of leaving, the language of hunger on the body, the mirrored face that cannot be repeated is an indented image of what we are, its life splays across uninterrupted dreams and only time can guess their meaning. The poem drags out our questions about everything, the foam, the petals of flowers, the birds like singing stars, the dawn like an instant theorem of light, the clouds are faces unmasked in shadowy mirrors; and even that dagger, the disyllabic metal against the throat of the days and the seasons, the trees, the birds, the entirety of the animal kingdom. A dead fish floats on the surface of the morning, its scales glittering, its eyes wonderfully open, we know fish and poets are only worth anything dead, which is why we strangle in the interior of the night the liquid substance of their words, their precise growth, across this very sea the poem arrives slowly as certain boats do, bearing the collective exhaustion and thirst of the shipwrecked and the unfamiliar speech of unknown men.
MEMÓRIA
Refulge por dentro o dezembrado verão na carne, a infância à baila, um salto [momento fotográfico] sobre a polpa das nuvens e a queda quase/quase livre não fosse o líquido assobio a emplumar o canto. Ainda que a manhã soletre a breve chuva, eu quero o céu um rosário de estrelas, infindo rosário de estrelas e sóis enrubescidos a esplender por sobre a lembrança do teu rosto, a grácil meninice esculpida, a máscara—quase—rosto que procuro na idade das estátuas derruídas. E assim, antes do embrumecer da vida, estendo-me sobre o varal do meio-dia, a carne bilando na língua do fogo e recolho dos relógios as horas enevoadas com a mesma mão secreta que rouba do tempo o objecto com que te estilizo na memória.
[“Estão quietas as mãos”]
Estão quietas as mãos sobre a mesa, não falam, e as palavras cedem às portas que as empurram para dentro do seu casulo: o silêncio. Nenhuma razão aparente para esta invocação ao esquecimento dos dias das canções transparentes entre o acender dos lábios por sobre a electrocussão da noite. Entro para dentro de casa e a casa é um absoluto cansaço, uma tenebrosa armadilha. Nenhum deus evoca estes dias prenhes de domésticas desarrumações no olhar e a insónia é um animal feroz, um tubarão faminto no vasto oceano de recusas. Submerjo-me na memória—o amor é esta superfície desejada—como nas páginas que sobram de um livro antigo, até aos ossos, sinto os versos sacudirem-me a espinha; sei que a carne não se refaz no assoprar do barro nem da súbita enxertia de costelas, antes, faz-se de um inveterado fogo que o Napalm perpetua sobre a pele. Estão quietas as mãos e ardem.
APONTAMENTOS
O poema chega devagar como certos barcos, com o cansaço e a sede de todos os peregrinos e a estranha pronúncia dos lugares desconhecidos. Percorre desde a topografia da memória à distante infância, as imagens, os símbolos, os signos, a oblíqua disciplina das palavras, o difícil apuramento das estradas e a solidão para a qual nos conduzem. Mas traz consigo um irrecusável encantamento, as crianças como uma secreta pirotecnia ardem a boca em informuláveis risos, antes da guerrilha dos dias e das noites, antes do perfil vermelho das casas abandonadas e dos odores fortes dos substantivos próprios de quem a morte os visita. Traz, sobretudo, uma língua e verbos dificilmente ignorados no raiar das noites suburbanas, o amor rápido, milimétrico, gramatical; e depois o terrível bicho do abandono, a linguagem da fome sobre o corpo, o espelho da face irrepetível, esta imagem recuada do que somos, cuja idade alastra em ininterruptos sonhos que somente o tempo augura o seu sentido. O poema arrasta consigo a interrogação das coisas, a espuma, as corolas, as aves como estrelas cantando, o amanhecer como um rápido teorema de luzes, as nuvens como rostos dissimulados em sombrios mirrors; e ainda a faca, metal dissilábico na garganta dos dias e das estações, das árvores, dos pássaros e de todo o reino animal. Um peixe morto bóia na superfície das manhãs, com as suas escamas cintilantes, seus olhos admiravelmente abertos, porque só morto serve o peixe e o poeta, por isso estrangulamos pela noite dentro as pala- vras com a sua substância líquida, seu preciso apuramento, nesse mar de onde o poema chega devagar como certos barcos, com o cansaço e a sede de todos os náufragos e a estranha pronúncia dos homens desconhecidos.